Entrevista a Jorge Castro, preparador físico da equipa Sub-19 (Publicada na FCPF Magazine #33)

Os Sub-19 do FC Paços de Ferreira já se encontram a preparar a nova época, e, cinco meses depois, estão em contagem descrescente para o regresso aos treinos no relvado – que vai acontecer na próxima semana. Mas a máquina não parou! Lê ou relê a entrevista de Jorge Castro, preparador físico dos Juniores, que foi publicada na FCPF Magazine #33 (10.07.2020), e fica a conhecer melhor o trabalho desenvolvido desde o término do Campeonato Nacional de Juniores A.

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Devido à pandemia de COVID-19, os campeonatos dos escalões de formação foram dados como terminados ainda em março. Na impossibilidade de manter a forma no sintético ou no ginásio, foi necessário arranjar alternativas e não deixar parar a máquina da formação pacense. Afinal, para o sucesso futuro é fundamental o trabalho no presente. Jorge Castro, preparador físico da equipa Sub-19 do FC Paços de Ferreira, conta-nos como foi e como têm sido os dias dos jovens Castores, que anseiam regressar às rotinas que os fazem felizes o quanto antes.

O que foi feito com os atletas Sub-19 quando se iniciou o período de confinamento?
Após esta situação do confinamento, eu e a estrutura do FC Paços de Ferreira achamos por bem dar continuidade aos treinos em casa. Os atletas não deveriam parar totalmente, especialmente os Sub-19, que estão sempre mais perto do patamar sénior – alguns deles estão agora a treinar com a equipa principal e não chegaram a parar de todo.

Que estratégias foram utilizadas?
Primeiro foi tentar encontrar uma zona de contacto com eles – utilizei a plataforma Zoom – e segundo foi tentar monitorizar um bocadinho o treino. Como? Através de uma aplicação que recomendei, a Nike Run. Assim eu sabia o que é que eles faziam em casa. Relativamente a outro aspeto de monitorização, mais relacionado com as cargas internas, o que é que eu fiz? Optei pelo uso da escala de RPE e estive em contacto com o César para compararmos os dados dos Sub-19 com a equipa principal. Depois, tentei saber o que cada um tinha em casa e comecei a planificar os treinos todos os dias, de segunda a sábado, sendo o domingo o dia de folga. Eu, um dia antes, tinha sempre o cuidado de mandar o plano de treino para o grupo, eles visualizavam e, se tivessem dúvidas, entravam em contacto. Se algum não pudesse realizar o treino, tentávamos reajustar da melhor forma possível para eles nunca pararem. Além disto, achava importante, acima de tudo, eu estar sempre a visualizar, porque, parecendo que não, estar alguém ali a controlar era uma boa ferramenta para eles não se descuidarem. Foi sempre um trabalho coletivo, em conjunto com os treinadores. Muitas das vezes, eu fazia o plano, mandava para o treinador, e tentava diversificar o treino ao máximo, pois eu sei que treinar em casa causa uma monotonia horrível e não é fácil. Mas, regra geral, penso que correu bem e acho que os atletas aderiram de forma positiva. Foram rigorosos, trabalharam sempre certinho, cumpriram sempre as horas. Havia dias em que alguns tinham aulas e era difícil, mas conseguimos fazer as coisas corretamente. Tanto que alguns deles até foram chamados ao patamar sénior e apresentaram-se bem.

Os planos de treino eram sempre iguais para todos ou individualizados?
Os planos eram, de uma forma geral, para o plantel. Depois, reajustava no momento se houvesse alguma queixa ou alguma dor muscular mais acentuada. Porque muitas das vezes nós chegamos ao treino a pensar que vamos fazer uma coisa e depois basta aquele atleta não dormir bem ou estar com uma dor muscular mais acentuada e já não é assim. Numa fase inicial, houve muitos atletas com dores musculares, porque não estavam habituados à persistência do agachamento com salto, às isometrias… É que por mais ginásio que se faça, às vezes dá um estímulo completamente diferente que vai causar essa dor. E aí reajustava, de maneira a trabalharem todos. Não queria que estivessem parados de forma alguma. Se não fazia quatro séries fazia duas, se não fazia duas, fazia uma. Reajustava sempre.

E o que é que acabou por ser mais desafiante durante esse período?
Mantê-los motivados. É muito difícil manter uma equipa que está habituada ao sintético/jogar/treinar/ginásio, a este mundo do futebol, dentro de casa a trabalhar. É muito difícil. O meu maior desafio nem era fazer o plano de treino ou reajustar o treino naquele momento. Para mim, a coisa mais difícil era conseguir motivá-los. A estratégia que muitas vezes utilizei: mandava um plano de treino e eles diziam “Ei, oh mister, vamos fazer isto?” e eu dizia “Não, vamos fazer o contrário”. Inverter. Até que chegou a uma fase em que eu mandava o mesmo plano de treino e muitos deles já sabiam que não ia ser isso. Porque a ideia era mandar um plano e obrigá-los a matar a curiosidade. Foi uma estratégia que, no momento, utilizei para tentar que o treino fosse diversificado e quebrar a monotonia.

Acredito que manter o foco fosse muito difícil, pois tudo o que eles faziam era em casa: aulas, treino, lazer…
E perguntavam muitas vezes até quando ia ser assim. A minha estratégia era dizer “Malta, pensem que daqui a meses são seniores, outros vão continuar nos Juniores… Preparem-se, porque isso é para o vosso bem. Não é para mim, é para vocês. Eu não quero lesões, preparem-se, tentem respeitar os tempos. Eu sei que às vezes a net falha ou um atleta entra mais tarde, mas tentem, não se enganem e, qualquer coisa, liguem”. E tive bastantes atletas que me perguntavam o que fazer, quando não podiam ir ao treino. Havia um grande comprometimento.

Boa parte deles acabava este ano a sua formação, o que é sempre um marco importante. Isto também acaba por ser difícil de gerir, não só fisicamente como emocionalmente, porque aquele caminho que eles pensavam que iam seguir fica um pouco em stand by…
Para mim tudo é importante: físico, emocional, tático, contextual… Mas agora tocou aí num ponto, que é a parte emocional, que eu gostaria de realçar. Eu realmente notava que os atletas de segundo ano estavam mais ansiosos. Alguns perguntavam-me “Mister, como é que é possível? Vou acabar a minha formação assim: em casa, a dar saltos. Anos e anos de formação”. E eu tentava transmitir calma: “Vais acabar assim, mas vais fazê-lo para te ajudar, seja no Paços de Ferreira ou não, a chegares mais preparado do que os outros. Tens de chegar lá com a missão de estar mais preparado do que os outros. É para saberes o que é esforço, dedicação. As coisas não podem ir sempre ter com vocês. Vocês também têm de fazer por isso”. A minha função era transmitir calma e não deixar que isso lhes criasse barreiras. Eu não queria que eles parassem, eles tinham de se mexer e evitar entrar em zonas de conforto. O facto de treinarem todos juntos era também uma forma de os motivar, havia um trabalho conjunto.

Neste momento, qual é o ponto de situação?
Mal terminou o confinamento e a regra passou a ser fazerem X quilómetros diários em X tempo, tirarem print da aplicação e mandarem-me, para me certificar que fizeram. Os que não faziam tinham castigo e o treinador era avisado. Isto servia para provar que eles estavam a trabalhar. Entretanto, agora nas férias optei por deixá-los mais à vontade, até mesmo para eles aproveitarem as suas rotinas, irem de férias… Mas, quando tivermos uma data certa para o início dos treinos, vou voltar a juntar todos os atletas que vão ser Sub-19, uma semana e meia antes, para prepará-los, formatá-los, de forma a chegarem aqui na pré-época e o impacto não ser tão grande. Assim é mais fácil para todos nós, sempre a pensar na redução do risco de lesão.

Prevê que esta época, independentemente do esforço feito durante este período, seja um pouco mais difícil?
Se calhar vamos receber muitos Sub17 na transição dos Sub-18 / Sub-19. Eu conheço-os, de trabalharmos no ginásio, mas falta-lhes o jogo e sem o jogo é difícil… Nós chegamos a uma fase em que os Sub19 estavam a treinar e os Sub17 estavam a abrandar e nós ainda à espera do que ia acontecer. Então, acho que vai ser muito difícil devido ao tempo em que eles estiveram parados. Agora também vai estar, na minha opinião, na mão do atleta se ele quer ou se não quer. Um jogador que queira, automaticamente já se está a preparar para a nova fase. Já tem de estar! O jogador que, neste momento, não se estiver a preparar, vai sair-se mal. Depois vai ao critério de cada um. Agora também não podemos avançar muito, porque não sabemos a lista de atletas ou quando começa. Mas continuo a pedir para se mexerem e não criarem maus hábitos. O foco estará, contudo, naquela semana e meia antes da pré-época. Sabendo que dentro de semana e meia começa a sério, o foco deles já é outro. Chegam à minha beira preparados e já tem as tais skills, já trazem isso.

Falou há pouco dos atletas que passaram a trabalhar com o plantel profissional. Que indicações recebeu? Adaptaram-se bem?
O feedback que chegou foi positivo. Chegaram lá, não comprometeram em termos físicos e estão a cumprir com o que é pedido, o que é de enorme agrado para todos nós da equipa técnica. É bom quando um jogador da formação chega a este registo e o feedback é tão positivo. Isto é um trabalho contínuo, sempre a pensar no patamar sénior. O FC Paços de Ferreira, ao longo dos anos, tem vindo a evoluir bastante mesmo, e acho que uma das coisas a favor de todos era esta componente mais física ser estruturada dos mais jovens aos mais graúdos, pensando no profissional. Isto para que um atleta chegue à minha beira e já tenha as tais skills dominadas. Assim, será mais fácil, pois podemos trabalhar logo outros patamares com o atleta, uma vez que já traz os domínios dos patamares mais descendentes. E quando chegar a sénior já tem as bases todas dominadas. Se é o rumo profissional que querem, então é começar a formatá-los – o ginásio existe e é para ser usado. É importante aprender desde pequeninos, prepará-los física e mentalmente, para não ficarem tão dependentes de alguém também e para um dia chegarem ao plantel sénior e cumprirem ao máximo. É uma vertente em que é bom insistir. Claro que nos pequeninos não é para fazer um trabalho como nos Sub-19, mas é começar a dar bases. Será bom para a estrutura toda.

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